sábado, 28 de maio de 2011

Dançar

Dançar é estar sempre à espreita.
Prestes.
Penetrar na água-furtada,
Esconder-se nas sombras,
Apossar-se definitivamente do instante fugidio
Que surge como um precioso álibi
Que recompõe o furtivo momento.

Dançar é repousar sob a mangueira
Tendo o sol com companheiro,
A sombra, como uma testemunha
Que vaza dos galhos majestosos
E banha de renda a dança.

Dançar é estar breve
No breu.
É estar sorrateira
Entre sótãos e porões.
Frágil. Sôfrega. Furtiva.
Revela o imóvel
Revela o inconstante.

Dançar é penetrar
Incógnita no ponto de encontro
Dos pintores expressionistas abstratos
E na confraria das poetizas inconseqüentes.
Dançar é sentir
Sutilizas sem ser sutil
Realezas sem ser real.
Sorver o abismo de cada cálice
Moldar a água.

Dançar é perder-se no jogo inconstante
Da imprecisão das palavras, sons e melodias.
Uma viagem sonora através da rigidez
E da flexibilidade das palavras, sons e melodias.

Dançar é ser passado,
Ser futuro, ser instante e eternidade.
Ser simplesmente.
Efêmera ou permanente
Pois o que mais a dança é
É semente.

(escrito em dezembro de 2005 após conhecer um projeto educacional que ensina Ballet Clássico para crianças carentes em Orlândia, interior do estado de São Paulo).