segunda-feira, 8 de julho de 2013

São Joaquim da Barra é saudade pura

São Joaquim da Barra é saudade pura


A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
(Milton Nascimento)


Quando eu era criança em São Joaquim da Barra não era assim.  Se eu quisesse um doce, ia à padaria, escolhia entre dois ou três, maria mole, cocada branca, abóbora com coco, pronto. Saciada com dois tostões.
E sem os tostões, dá-lhe cajamanga, goiaba, caju, jabuticaba... Meu Deus! Jabuticaba no pé! Como era doce a jabuticaba, a vida... Eu via minha mãe rindo, rindo, com as amigas. De que riam tanto? Não sabia não, mas rir era tão natural, comum, que não havia desmancha-prazeres que boicotasse aquela alegria.
A tv nascia, o Direito de Nascer reinava: as mulheres – muitas em volta da única televisão da vizinhança, a televizinho, choravam. Mas o intervalo, com a farinha Láctea Nestlé, geladeira GE e Meire Nogueira aconselhando todas a mudarem a marca do sabão em pó, bastava para pôr fim às lágrimas.
E a vida era assim, simples. As casas, lembro-me bem, eram semelhantes, não serviam de referência segura acerca do padrão econômico de cada família. Na sala, um sofá e duas poltronas. No centro uma pequena mesa com um vaso de flores plásticas. As flores plásticas não eram escolhas, propriamente. Representavam o novo, o moderno, a nova estética. Ademais, perenes, sem a ameaça contínua do efêmero.
As cortinas das salas eram de algodão, cada qual costurava a sua, tecido estampadinho, xadrezinho, sem retoques. E a sala se transformava refúgio pela suave penumbra, que, no entanto, só tinha mesmo a qualidade de refrescar do sol escaldante que costumava invadir as casas pelas janelas frontais.
Tudo era confiável. A rua, a praça, a farmácia. Nesta, havia sempre um velho amigo a pincelar gargantas inflamadas e aviar receitas para febres vãs. E a praça era encontro, união, reconciliação. E as ruas eram mero caminho, transitar tranqüilo, até a entrada das casas, todas com janelas amigas, todas de portões baixos.
Os pequenos portões eram convites para as longas tardes que poderiam terminar na Baixada, no Espigão ou embaixo de alguma mangueira de algum  quintal. Não se enganem as mentes inquietas sobre baixadas e espigões. Eram nomes ou apelidos dos clubes da minha cidade interiorana que mora em meu coração. Presentes em seus apelidos a topografia e localização, dividiam opiniões. Uns preferiam um, outros outro. Mas havia uma opinião convergente: carnaval bom é do Espigão.
O tempo não tombou todas as lindas casas de minha infância. Algumas me trazem lembranças claras. Cheirinho de bife da casa da Maria Conceição, café coadinho na hora da casa da dona Amália, doce de manga servido com sorriso na casa da dona Nena. Pelos caminhos, alguns tropeços, decerto, mas na lembrança somente as copas com mesas de fórmica, a geladeira GE, o bufê enfeitado com bibelôs.
Não havia descompasso naqueles idos e até o apito do trem era como um velho conhecido que retornava, vindo de longe e trazendo boas novas. As partidas... Bem, a plataforma daquela estação reproduz a poesia de Milton Nascimento, sem tirar nem colocar nada.
Os sabores se assemelham aos odores: café, bolo de milho, biscoito de nata. E cada casa tinha igual cozinha, fogão à lenha, ornamentado, contrastando com os modernos fogões à gás Walig ou Cosmopolita. Cozinha arrumada e cheirosa logo duas da tarde e sobrevinha fogão enfeitado com toalhas, vasos de flores. Tão familiar e doce que declaro publicamente meu desapreço aos decoradores modernos que insistem em dispensar adornos sobre fogões que teve como conseqüência extinguir dos enxovais as toalhinhas de fogão.
Aliás, ao que parece, e que não me traia a nostalgia, não se fazem mais enxovais, aqueles que ficavam anos guardados em baú de carvalho, pinho ou até mesmo amendoim. Este último me traz uma lembrança adicional. Fui incapaz de interpretar corretamente uma locução doméstica: baú de amendoim... E quando diziam: Vá lá, no quarto buscar tal coisa, está sobre o baú de amendoim! Eu imaginava o amendoim torrado na casca das quermesses dependurados, como frutas no pé, naquele móvel escuro que servia também de mesa de passar roupas.
Ninguém precisava trocar o fogão, o sofá, a geladeira, a decoração e enfeitavam a casa com vasos de plantas, colchas de retalhos. Só eram perdulárias com o tempo, que desperdiçavam sem dó com o simples viver.
Como foi que inventamos – ou nos deixamos levar – por tantas necessidades? Como é que uma criança pode escolher entre tantas opções? Quem  poderá conduzi-las a este mundo simples que hoje, decerto, só lhes parece insípido?
E fazem dietas, muitas de nossas crianças! Comem com culpa, olhem isso!
Por isso desejo frequentemente que a busca pelo nov nos leve, invariável e diuturnamente, ao mais comum déjà vu. Retomamos nosso em círculo vicioso ansiando por um encontro sincero e comovente com um simples vaga lume.

E eu tenho uma tese: o Facebook deu certo por que nos devolve a ancestral vila, aldeia. Aquela que sobrevive em nossa alma, clama por providências e carregamos em nosso DNA. Por isso o Facebook funciona;  Ele é a praça da igreja matriz, a barbearia, o quarteirão, a esquina. Era para ir à praça que costurávamos lindos vestidos de tecidinhos estampados e os homens escolhiam seus melhores chapéus Era lá também que contávamos entre risos, como foi a festa de aniversário, a viagem à capital, o baile de formatura. Era na missa das dez que se teciam casamentos de toda a vida. E nas barbearias fervia a política e nas esquinas surgiam movimentos. E por ai também que os amores eram declarados por gestos e olhares e todos curtiam com seus sorrisos francos.

Um comentário:

  1. Saudade de um tempo que não volta mais,mas que viverá eternamente em nossos corações,revivi minha infância e minha juventude nas suas palavras e mais ma vez me emocionei...Lindo texto Roxana,bela história as nossas...!!!Bju

    ResponderExcluir