quarta-feira, 5 de março de 2014

Adorar, Verbo mais que perfeito

Adoro janelas embaçadas, quartos exíguos, salas assimétricas. Adoro aquele quarto vanghoriano, mínimo e exuberante em sua pequenez. 
Adoro aquele matinho que nasce nas calçadas superando o impossível. Adoro se, de vez em quando, em suas pontinhas miúdas, ostentarem miniaturas de flores. 
Adoro haikai. 
Adoro respostas monossilábicas, adoro o inverno cujas noites se apressam para encurtar meu dia.
Adoro café forte. Adoro aquelas pequeninas fotos de família que habitam o fundo das caixas e desafiam nossa visão e entendimento.  Adoro visitar minhas lembranças contornadas por óticas minimalistas. 
Adoro, simplesmente adoro, meus netinhos. 
Adoro silêncios curtos, longas sinfonias, mas as pequenas peças de Mozart falam direto à minha alma. Adoro Solfeghieto, de Carl Philipp Emanuel Bach. Adoro a calma.
Adoro instantes. Adoro opostos. Adoro ortodoxos. Adoro complexos e circunflexos. Adoro amplexos. Adoro poucas e boas poesias.
Adoro ser fiel e adoro a fidelidade. Adoro o amor, o amar, o juntar, o dividir. Adoro pão com manteiga. Adoro muito mais café com leite. Adoro contar, interceder, criticar, discordar e endossar.
Adoro docinhos descomplicados. Adoro xicrinhas, ainda mais bules com delicadas estampas. Adoro bibelôs impossuídos, adoro louças empossadas, adoro velharias. Adoro metáforas, metonímias, apostos, análogos, círculos, sinopses, acasos. Ah, confesso, adoro acasos.
Adoro desleixos, fuleiros, ordinários, sectários. Adoro o ousado e o instante do beijo roubado. Adoro o escondido e o fugidio. Adoro avis raras, ossos do ofício, força de expressão. Odeio sacrifícios. Odeio justificativas.
Adoro formações rochosas, pigmentos magentas, águas claras. Adoro o opaco, o inócuo, o espaço, o vazio. Adoro o intransigente, o impaciente, o apressado. Adoro ainda mais o louco, o bobo, o inconteste. Detesto o inocente. Adoro molduras, moluscos, pássaros fugidios. Adoro aproveitar as sobras e adoro os contos bem curtos.

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