Depois de todos estes anos, já não me surpreendo mais com suas visitas repentinas, principalmente em noite de chuva, como a de ontem. Espaçosa e íntima, você, Dona Saudade, esparrama-se facilmente em minha cama, sem ao menos pedir licença. Apodera-se de meu cobertor, este então, rende-se rápido à sua fria presença e inevitavelmente logo deixa de me aquecer. Encolho-me no pouco espaço que me resta e assim me entrego à insistência de suas histórias. Juntas, assistimos aos filmes que surgem projetados nas paredes da minha memória. Sua presença sufoca-me, mas ao mesmo tempo me acalma. Recebo-te sempre com muito respeito e sem te pedir quase nada em troca, peço-te somente que sejas gentil comigo. Que chegues perfumada de Leite de Aveia e traga-me risos bobos de lembranças amenas - E muitas vezes, você nem me ouve... E então, exausta, adormeço em meio às fronhas encharcadas, feito a chuva lá fora.
Amanheceu e você já não estava ao meu lado, mas sei que esteve a noite toda. Mesmo dormindo, senti o peso de seu olhar me espreitando madrugada adentro. Olhos vigilantes, fixos, obstinados em mim. Já nem me importo mais.
Este é seu ritual, chega sem avisar e parte sem se despedir. Sempre foi assim, mas hoje você inovou, talvez como forma de agradecer a hospitalidade, ou mesmo se desculpar pela bagunça deixada no meu peito, hoje você deixou um registro de sua passagem. Meus olhos ainda embaçados foram ganhando foco ao ler o bilhete, oportunamente deixado sobre o criado-mudo, logo abaixo do estimado porta-retrato. A caligrafia redonda, meio corrida, passou seu recado e desta vez assinou seu nome e sobrenome:
“Até qualquer hora...”
Ass: Saudade de Pai e Mãe
Luciana Teixeira
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